31 outubro, 2011

solto-te todos os dias da minha loucura, nunca do meu coração,



Enrolei uma manta no meu corpo no dia infernal, objecto de estudo das previsões apocalípticas sobre o fim do Universo e de toda a existência criada ao longo de milhões e milhões de anos, esse dia que estava marcado nos calendários como as minhas últimas horas com algum tipo de desequilíbrio mental para levar à loucura nos vários campos da minha existência. A gaiola que levava nas mãos continha um pássaro de espécime rara, um animal sem qualquer tipo de vulgaridade e com todos os pedaços de antiguidade apegados à alma que se desenrolava num canto estrondoso, arrepiante para qualquer osso. De penas brancas e olhos castanhos, continha asas miraculosamente fortes e capazes de sobrevoar meio mundo sem paragens pelo meio em casos de testes fatais, cantava todos os dias quando o coração ameaçava parar. Escondia os sentimentos puros sobre as asas para que ninguém fosse capaz de analisar e roubar um pouco, para satisfação pessoal ou delícia maquiavélica. E olhava-me intensamente quando as lágrimas ameaçavam nascer nos meus leves e corrompidos olhos castanhos. As minhas mãos tocavam nas grades verdes que o prendiam, que o amavam numa irracionalidade fundamentada por alguns meses de convivência e existências anteriores. Complexa e coroada pela simplicidade, ao sabor da pureza nos cantos trocados em pleno corredor da casa que nos prendia. Os meus pés dançavam ao sabor de uma música que o velho gravador passava, umas mãos que ficaram registadas para sempre no tempo quando tocaram violentamente nas teclas do piano e deram vida à composição de um qualquer compositor reconhecido, um dos que estão mortos e famosos como é a regra geral para todos os grandes artistas. Agarrava na tua gaiola para dançares comigo ao sabor dos meus movimentos, das minhas sensações, num egoísmo histórico e provado por milhares de pessoas em histórias puramente ficcionadas e trespassadas para o papel. Apesar de nunca ter existido uma prisão literal para o teu corpo, os fenómenos loucos provenientes da minha mente é que te prendiam a mim num egoísmo frio e sem qualquer tipo de sentimento.
A minha memória levou-me aos segundos em que tinha a porta da tua gaiola aberta e fazíamos amor ao som das nossas vozes, em declarações espirituais e eternas da honestidade que corria nas nossas veias. Dois animais com diferenças mas com o mecanismo corporal idêntico. Sentava-me na minha janela enquanto estavas nos meus ombros e escrevia com a alma de artista no rosto, no meu sorriso que te enviava a cada segundo. Uma inundação de delicadeza emanava do teu corpo, nos teus gestos e nos teus cantos compreensíveis para o meu coração, que abria-se a cada dia que passava. As minhas roupas eram feitas à mão, nos dias em que o Sol desaparecia e dava lugar aos tons cinzentos para se fazerem sentir no céu, contigo ao meu lado. Pássaro que um dia decidiu partir com a promessa de voltar e ser feliz comigo, de nunca me abandonar apesar do voo que tinha em mente e na alma. Que um dia decidiu voar e no meu coração o decidi prender, não tendo desejos de o deixar sair. À medida que dançava na minha cozinha, numa loucura extremamente destruidora de qualquer tipo de purezas, concentrava-me na sua prisão. Intemporal, pneumática que acabaria com os meus pulmões. À medida que voavas, sentia o teu canto a chamar por mim, a precisar de mim enquanto continuava numa loucura sem qualquer tipo de medições e placas de aviso em relação às consequências. Chamei outros animais para virem ter comigo, fiz-lhes festas, encostei o meu rosto ao seu corpo e no fim, acabei sempre por deitá-los fora ou expulsar de casa porque o meu lugar era para ti, à medida que voavas. Cortava desejos de felicidade para ti, para voltares para mim como um animal recheado de vida e pureza, cantar-me-ás todas as experiências quando regressasses. Nunca interiorizei as tuas promessas. Até ao dia em que decidi cair. Quando a manta que tinha enrolada me fez tropeçar no corpo e bati com a cabeça no móvel da cozinha, houve algo que despertou na minha alma. Como se uma parte tivesse sido rasgada e misturada com o sangue que jorrou da minha cabeça. Quando pedi ajuda para me levares às tuas costas não hesitaste, nem duvidaste do teu amor tal como fui fazendo à medida de que te prendia no meu interior, nas danças de cozinha a percorrer o corredor da minha casa. Quando me levaste, soltei-te da gaiola da minha caixa torácica. Amar é libertar. Amar é ajudar. É preparar. O quarto de hospital continuava o mesmo de sempre, as minhas memórias recuavam alguns anos atrás, o dia em que precisei de ajuda para controlar os meus demónios fazia-se sentir quando os meus olhos pousaram e colheram novamente os traços das quatro paredes brancas. O teu canto soltou-me da loucura, dos pensamentos, continuaste a voar ao pé de mim e o teu sorriso permaneceu.
A gaiola continua com a porta aberta ao pé da janela.
Continuas a fazer paragens em minha casa, no meu coração. Soltei-te da minha loucura, nunca do meu coração. Amar é libertar, lá está, mas sei que nunca vais partir. Não és dos pássaros de Verão que permanecem na ausência durante tanto tempo sem dar notícias ou qualquer canto de amor, saudação. Permaneces no meu corpo, nas minhas janelas, na minha roupa, nos meus sorrisos pois nunca viajo sem nenhum para todos os lugares onde vou. Leva esta carta recheada de felicidade, profunda e eterna. Volta para mim, todos os dias.

29 outubro, 2011

afasta o diabo de tua casa, ou da casa alheia,


- Chegou a altura de morrer. – Murmurava lentamente em frente ao espelho do quarto de hóspedes, com os lábios pintados num tom preto. O peso de tons negros em qualquer zona do corpo, quer no vestuário quer na maquilhagem, nunca foi um impedimento para ela, sem nome e com tentativas de ser alguém num passado próximo, com um arrasto doloroso até ao presente. Até decidir que tinha de morrer naquela manhã, enquanto limpava os cabelos ruivos da sujidade das experiências mundanas, transgressoras de uma liberdade imposta por terceiras pessoas, nunca tinha encontrado uma satisfação interior recheada de paz. Desejava ultrapassar o poder de Deus ao retirar a vitalidade do peito com um objecto de fabrico humano, como prova do poder mortal ao longo dos tempos. Com a escova a passar-lhe pelos cabelos, sorria lentamente. O desejo atormentava-lhe os pulmões, colocando dificuldades na respiração e aniquilando qualquer tipo de pureza que pudesse absorver do oxigénio, circundante do quarto e transportador de previsões fatais. O sorriso continuava no rosto à medida que uma das mãos, a que estava livre, tocava na pele. De forma serena, sem maldade plantada nas veias e numa apreciação do próprio pescoço, passava um dos dedos sobre o batom colocado no lábio inferior.
- Chegou a altura de morrer e nem sei o que fazer. – A onda de desgosto assaltava todas as partes do seu corpo, numa violação planeada e amarrada às mãos envelhecidas do destino, possuidor de um tabuleiro de jogo profundo. Utilizava-o, esse destino, nas horas vagas quando o aborrecimento ameaçava a sua boa conduta, a sua maneira invulgar de levar uma existência pacífica. Decidia como iria ser a vida de determinada pessoa. Escrevia numa folha de papel todos os pormenores, vomitando as pequenas obsessões com que se alimentava nos dias de dias de chuva sobre os comportamentos, os diálogos daquela marioneta criada pela divindade tantas vezes associada ao céu. Mas iria dar cabo dos seus planos, ao lado do meu secador de cabelo encontrava-se uma faca puramente afiada e sem qualquer tipo de impurezas que pudessem poluir carne humana. O objecto cortaria, despedaçaria o meu coração. Tal como alguém lhe tinha feito há algum tempo, ao quebrar experiências em nome de um bem mais elevado. Bem que compreendia perfeitamente, serenamente. Mas a esse bem falta colocar-lhe uma pitada de maldade, personificada na sua morte. Uma morte provocada por desgosto e com origem num egoísmo extremo, por não ter permissão em beijar mais nenhuma vez depois de saber como eram o sabor daqueles lábios, por não lhe ser permitido olhar directamente para a alma alheia através dos olhos castanhos. Mostrava-lhe todos os dias a alma, especialmente quando ela estava a pentear o seu cabelo ruivo, e como poderia ser uma boa pessoa se lhe apetecesse dizer para parar? Se desejasse fatalmente que calasse a boca e arrancasse mais um pouco de carne? Bebam do meu sangue, façam dele a vossa refeição – era o pensamento que viajava pelas suas veias depois da meia-noite de todos os dias. Era por essas poças, que lavam os seus colchões e vestidos, que decidiu colocar-se numa posição superior à de Deus. Quando fosse altura de cair, iria deixar que o seu corpo se despedaçasse num chão de cimento, sem qualquer revestimento como qualquer escravo que não teve direito.
- Chegou a altura de morrer – Cantarolava à medida que arrancava os cabelos, desta vez. Mal me tinha apercebido que as lágrimas desciam pelo rosto, numa agonia extravagante e visível para todos os dramaturgos à face da Terra. Gotas de lágrimas que lhe agitavam a alma e transportavam para a realidade, equivalente à loucura que nenhum bobo da corte deseja à pessoa mais miserável. Os tons negros do batom encontravam-se no espelho do toucador (do quarto de hóspedes), depois do treino para beijar outras pessoas por pura curiosidade e excentricidade calorífica. As mãos ficaram livres quando a vontade de desenhar qualquer tipo de sonho com os restos de batom ficou extremamente forte, fazendo-a tremer pelo futuro. As nódoas não saíram tão rapidamente e a progenitora veria o sinal de loucura estampado na própria casa, quando o relógio tocasse e anunciasse uma nova noite. A ambição era regressar daqui a algum tempo, depois de ter descansado um pouco no lugar desconhecido, em que não existe qualquer registo das condições e qualidade (como se se tratasse de um hotel ou uma casa, um objecto tipicamente humano). Os pensamentos continuavam a dançar no peito e precisava de elaborar a tarefa com rapidez para não dar asas ao medo tipicamente humano de enfrentar o desconhecido, tão usado pela religião para tratar da conduta das pessoas. Um domínio propagado por qualquer entidade religiosa para não deixar cair os filhos em tentação de todas as vezes em que estes desejos diabólicos se apoderassem das mãos, dos pés ou dos lábios. O pente parou subitamente de pentear os cabelos ruivos e o sorriso desapareceu num ápice.
- Não sei o que vou fazer com o resto desta minha vida – continuava a murmurar e levantou-se da cadeira. Ouvi apenas um grito quando a faca trespassou o coração. A falta de confiança no amor, destino, almas gémeas e felicidade desapareceu-lhe num ápice. Nenhuma lágrima lhe apareceu no rosto para lamentar o fim da vida. Nem eu próprio tive pena dela. Sai do quarto, estava sentado há demasiado tempo a apreciar esta cena. O amor à minha própria vida reapareceu, as minhas mãos agarraram no meu peito. Acariciaram-no. E segui em frente com a minha vida. O fim só aparece por vontade de um segundo, divino e a quem tenho um profundo respeito.

26 outubro, 2011

Quando as nuvens alcançaram o céu,


Quando as nuvens alcançaram o céu mais uma vez, depois de o relógio ter vibrado em cima da mesa-de-cabeceira, o céu ficou revestido com uma cor cinzenta. Carregado com pequenos objectos, detentores de um pseudo renascimento ao subirem novamente até à luz, trata-se de um elemento da natureza com sonoridade negativa, amante de cenários tonificados por pedaços de horror ou dramatismo, capazes de inundarem uma tela de cinema. Quando as nuvens alcançaram o céu, os meus olhos despertaram de um sono profundo, equivalente à sensação de infinito dentro de uma mente. As mãos tocaram levemente no peito, numa carícia para reactivar a sensação de normalidade na pulsação, com os dedos a desejarem retirar o coração de dentro do peito, da caixa aquecida por sentimentos e sensações ao longo dos anos. As unhas devidamente arranjadas na manicura mais próxima de casa arranhavam ao de leve a carne, nomeadora da continuidade de vitalidade em todos os restantes órgãos do corpo e revestida com um papel de ouro (apesar de os olhos humanos não serem capaz de visualizá-lo), arranharam a carne e feriram levemente. As feridas iniciais, provocadas pelos pequenos desastres individuais em tenra idade quando se brincava com a casa de bonecas ou com os carros a pilhas (se é que hoje em dia se brinca com estes objectos míseros), tinham pouco peso na balança da existência, das experiências que um ser humano carrega para o resto da vida. Vida, essa palavra tão pesada e leve para a simples conversa que se pode estabelecer com uma pessoa que atravessa a rua ou espera pelo metro às vinte e três horas da noite. As mãos continuavam a arranhar o coração sedento por crescimento intelectual e apaixonante, a acariciá-lo para atingir os primeiros orgasmos tímidos. Estes primeiros tipos de orgasmos, normais para qualquer cidadão, fazem parte da masturbação mental das crianças, não possuidoras de grandes conhecimentos humanos ou intelectuais. Infelizmente, quando transporto o meu relógio mental nas mãos pelas ruas que revestem a grande cidade, sinto pequenos espasmos de grandes cérebros à mínima tentativa de conversa aprofundada. Grandes cérebros em corpos velhos. A mão, com unhas correctamente arranjadas, não serve só para acariciar o coração ou para feri-lo. A masturbação mental, caracterizada pela pequenez de espírito, ainda afecta personalidades na metade da linhagem de vida. E os meus olhos despertam, acordam para o mais pequeno sinal de vida existente no quarto. O meu corpo repousa serenamente na cama, sem qualquer tipo de calor humano da noite passada.

Quando as nuvens alcançaram o céu, não me consigo lembrar do estado da minha existência. Não me reconheci nos minutos em que a alma regressava ao (meu) corpo. Os meus ossos eram percorridos por uma ressurreição, inversa à tão conhecida do Cristianismo. Existia uma descida espiritual para um corpo, o completo inverso da história contada a toda a Humanidade. As feridas iniciais, provocadas pelos simples arranhões na carne muscular, passavam para um tom mais profundo. A sonoridade das vivências aumentava quando o coro entrou no meu quarto, com um vento dotado de uma fúria encorajadora de maus futuros. Mãos alheias acariciaram as minhas pernas, emagrecidas pelo sal das minhas lágrimas, passando a língua húmida até ao maior ponto da sexualidade de qualquer homem ou mulher. As fraquezas refloresciam em todos os sentidos, as mãos largavam o coração para pressentir os elementos do coro que assaltava o meu quarto e o órgão vital ficava desprotegido. Quando qualquer tipo de pétala da solidão esvoaçou nas quatro paredes que me rodeavam, dentes consumiram veias recheadas de sangue puro e unhas afiadas e envernizadas no segundo, num tom vermelho vivo, cresciam a uma velocidade letal graças à vivacidade experimentada através do meu corpo. O meu coração parava, era poluído pela falta de virgindade (perdida há tanto tempo, como uma mão cortada num campo de girassóis). Os demónios do coro santificado pelos sete pecados consumiam o meu coração à medida que os meus olhos despertam e um orgasmo circulava pelos meus braços, pernas, sexo. O sangue inundava o chão branco do meu quarto, danificando a balança das minhas experiências.
Quando as nuvens alcançaram o céu, os meus sonhos desapareceram. O céu ficou revestido num tom cinzento e o meu cabelo ruivo brilhou à luz do sol, que desejava aparecer mesmo com todas as inseguranças. Reconheci-me no crescimento elaborado à velocidade da luz, as rugas acentuaram-se no meu rosto de vinte e poucos anos. Quando as nuvens alcançaram o céu, senti que o relógio ainda vibrava (e tocava) em cima da mesa-de-cabeceira. Faltava-me mais um dia, mal podia esperar por sentir um orgasmo, um remexer (ou moer) do coração. O relógio continuou a tocar, depois de dez minutos seguidos.

22 outubro, 2011

florrie - no começo do Outono com um chá à mistura,





Outono. Um pouco mais de frio. Início de uso das roupas mais quentes. E não é por causa disso que vem um pouco mais de inspiração. Um pouco de arte no meu espaço personificado na imagem desta jovem artista.





13 outubro, 2011

Angústias filosóficas (num cabelo louro),


Quando os raios solares desaparecem entre os prédios que vão compondo o meu cenário (que tenta tornar-se, com todas as forças, no meu habitual ou melhor rotineiro) os meus dedos passavam sobre os meus fios de cabelo renovados, plenamente penteados e pintados com uma cor loura para retirar toda a respeitabilidade ou seriedade que conseguia transmitir através do meu visual. Os dedos, possuidores de unhas totalmente roídas graças ao nervosismo de um novo ciclo de acontecimentos totalmente renovado nas últimas semanas, mexiam ternamente no meu futuro capilar. Devoto à grande nação de superficialidade nas horas vagas, o meu sorriso orgulhava-se da nova pessoa que ambicionava ser. Pesa-me nos ombros a ambição que tenta corroer e apaixonar a minha mente, sem qualquer tipo de envenenamento no meio do processo, como se fosse uma limpeza vasta aos vestígios mais insignificantes do passado (e nunca esconderei o uso das comparações para descrever as minhas sensações, já que sentimentos não podem ser usados no novo estilo de vida que se adivinha num futuro demasiado próximo dos meus pés). O vento soprava à minha nova aparência, um dourado com falta de brilho graças ao início de uma noite rotulada como insignificante, assim como todas as outras que passaram a correr pela minha existência, a minha alma nunca sentiu um pingo de força ou presença todas as vezes em que tinha o rabo sentado na cadeira do quarto para estar em frente ao ecrã de um computador.
As peles um tanto ou quanto arrancadas dos dedos incomodavam os nervos do meu corpo, dando o alerta à minha mente para uma nova sensibilidade. Os pequenos choques eléctricos percorriam os pormenores calejados pelo percorrer de minutos, de horas, dias e anos. A última palavra, a que contém uma força extraordinária em relação à calosidade de marcas deixadas na pele enrugada, grita todos os dias ao microfone da minha mente numa angústia desmedida para me trazer de volta à realidade. Há tantos anos que resolvi desaparecer de um cenário de perfeita plenitude para me dedicar aos sonhos plantados no coração, para dar força aos orgasmos na caixa torácica ou para ter sexo com as tintas rosas que teimo em oferecer às paredes do meu corpo, humedecido e recheado de porosidades de tabaco, o objecto que incendeia a minha existência e o maligno de todos os vícios que podem circular nas minhas veias (nunca azuis, já que a minha pele é tão morena. Nunca serei da realeza?). Os meus dentes anseiam por retirar todo o vestígio de pequenas peles que ousam dormir ao pé das minhas unhas, num recheio de radioactividade desmedido e acelerador de sensações trágicas, dignas de estarem em cima de um palco e de se exibirem. Uma língua demasiadamente perversa ousa em atentar lentamente demasiados desejos obscenos, presos na profundidade das minhas angústias filosóficas. Nestes dias de calor intenso, afasto chás ou qualquer outro tipo de líquidos a temperaturas elevadas para não sentir a pele a sair do corpo numa imaginação desajustada da serenidade e tranquilidade. Consigo sentir uma espécie de corvo a passar pelos meus olhos, aludindo a sensações de morte intensas e excitantes, sem qualquer tipo de esforço ou ressuscitação mental.
No momento em que os dedos passam pelos meus renovados cabelos louros, todas as náuseas existências que poderão aproximar-se do meu corpo afastam-se, plenas em abandonar o meu ego um quanto despedaçado e actualizado. As minhas pernas caminham até ao meu quarto renovado, recheado do pó que tantas vezes me faz companhia nos dias de solidão atenuante. (Vou ouvindo os tiquetaques do relógio inexistente em uma das paredes, na ânsia de esperar pelo verdadeiro apocalipse do coração). Deixo que o coração morra momentaneamente, os fantasmas entram em mim e violam os meus direitos corporais. Não ousam remexer nos espirituais ou ancestrais. Percorri o longo caminho desde o estabelecimento que resolveu aceitar (mas não compreendeu) as minhas pequenas mudanças com um cigarro nas mãos e com todas estes desejos a empurrar os pulmões, os rins e o fígado.
Quando cheguei a casa fui directamente até ao quarto.
E não aconteceu mais nada. O meu cérebro, demasiado refinado pelos burgueses do século XXI, perguntou-me se tinha acontecido alguma coisa nos minutos anteriores. Disse simplesmente que não, não aconteceu absolutamente nada. 

10 outubro, 2011

É essa a (tua) missão,

Devora-me, no meio de mentiras e fantasias que tentam desenhar o cenário onde coloco os pés, com os dentes especialmente afiados no jantar à luz das velas, no minuto em que os teus olhos negros incidiram sobre os meus na tentativa de não cortarem contacto com os meus, dotados de uma intensa coloração castanha mesmo sob a luz do luar.  Enquanto os meus braços permaneciam na mesa, recheada de comida por provar e de copos vazios (objecto recheado de um pó malévolo que conteve vinho branco, num passado bem próximo do presente), o meu sorriso fazia-se sentir com toda a vibração para clamar pelas atenções de qualquer ser humano ou divino, que passasse por aquela cena de pseudo amor para qualquer uma das partes, já que os minutos de experiência na primeira pessoa do plural de qualquer verbo não passavam dos setenta. A minha mão, delicadamente cuidada graças à ausência de trabalho nesta vida, segurava o copo que se quebrou na minha pele, uma acção fatalmente provocada e planeada no meu pensamento há alguns segundos atrás. O relógio martelado no meu peito continuava a provocar-me dores mortais, descarregando pequenos choques eléctricos para terminar com a timidez que roda à volta da minha existência, desde o dia em que pressenti existência humana neste mundo pela primeira vez.
O copo quebrou e a minha mão ensaguentada foi directamente até ao peito, quem sabe para segurar a sensação de morte anunciada. O meu sorriso continuava na cara, apesar da dor apocalíptica que dançava na caixa torácica e se espalhava por todo o esqueleto. Sinto o teu desejo a alguns metros de distância, tão poucos que sinto a minha camisa a rasgar-se com a brisa gelada que passará às duas da manhã, na rua que caminharei com os meus sapatos sujos. Danificados pelo podre de uma superficialidade encontrada na passadeira vermelha ou simplesmente pelo espelho danificado à entrada de um museu, com todas as supersticiosidades a fazerem-se sentir violentamente. O meu cérebro deseja uma chávena de chá misturada com leite extremamente quente, com o intuito de danificar os lábios recentemente suavizados por um batom sem cor, de uma transparência sentida por qualquer fantasma preso nas veias dos seres humanos.  
Devora-me porque é essa a tua missão da noite. Na tua condição de monstro, não deixarás escapar a oportunidade de matar uma alma poderosa por volta das duas da manhã, à mesa de um bar (ou será de uma discoteca?) com milhares de copos vazios e álcool a misturar-se com o sangue, que percorre todos centímetros do meu corpo esvaziado de profundeza. Não compreendes que não te faço um pedido ou que te ordeno qualquer tipo de acção,  à medida que os meus braços descansam sobre a mesa. O meu cabelo é modificado por estados de espíritos, que vão colorindo os fios num tom avermelhado e quem sabe adocicado pelas longas metamorfoses das vivências registadas em qualquer mente alheia. O meu sorriso não desaparece da cara por ter conhecimento da tua missão ou da tua condição nas próximas horas. Desejo que sigas os teus instintos, personificadas logicamente em vontades. Os animais seguem os instintos em todos os momentos, ao contrário dos homens. Esses realizam as suas vontades e pecam pouco, não alimentam qualquer tipo de instinto que lhes excite a meio da noite. Coloca as mãos dentro das tuas calças se é essa a tua vontade ou, falando num tom mais formal e nobre, se é essa a sua vontade. Coloque os dentes para fora se deseja matar-me lentamente. Vou sentir os teus dentes fortalecidos pelo leve cuidado dentro do meu peito, remexendo constantemente para expulsar e danificar a carne.
O meu sorriso continua no rosto, apesar de todas as perversidades e violências perfumadas por algum tipo de vilão que resolveu sair da história de encantar. É uma pura questão de músculos, alguns quilos de material disponível para os animais à solta nas ruas por culpa da divindade, apreciadora de desafios e mudanças repentinas.
Poderosa alma, permanece. Mesmo nos dias em que o meu corpo se for, permanece tranquilamente por aqui. É um pedido, nunca uma ordem.

07 outubro, 2011

Os bastidores - I


Os bastidores estão guardados para as pessoas que caminham com o coração nas mãos, quando o peito não é capaz de acolher carne em demasia com as veias a encherem a uma velocidade alucinante. Os grandes problemas provocados por estas pessoas são os choques com outras do mesmo tipo, no meio da rua ou num transporte público, desastrosos e sinalizador de sarilhos prestes a chegar devido às feridas (quem sabe também as futuras) que o músculo irá recolher. Ao invés de uma mala saída de uma das lojas mas refinadas e populares do país, transportam o coração como se de um acessório se tratasse e posso dizer que cuidam desse pormenor como se fosse a própria vida, uma vez que os abutres estão dispostos a roubar a carne ao virar de uma esquina ou num simples bar por volta das duas da manhã (na hora em que o álcool estiver a circular por todos os órgãos, pobres coitados que já entraram em falência). Tal como alguns que incitam à moda de vestidos e roupa de carne, curada e tratada antecipadamente, outros transportam o coração nas mãos e o pobre acessório não consegue levar a carteira ou algum livro abandonado para ser devorado nas horas vagas.
Quando os saltos altos se fazem sentir numa sala recheada de estilos ou um simples brilho proveniente de um ser humano alheio ofusca a dezenas de metros, a insegurança invade este tipo de personagens. O coração pode ser queimado, danificado por quem se atravesse no caminho, pelos sorrisos que rasgam a pele de quarentonas ou quarentões (levando aos dentes de carnívoros em roupas vintage e extremamente caras, com a etiqueta a balançar no vestuário se for preciso). O órgão que não cabe na caixa torácica de diversos seres humanos é perigoso de uma forma inocente, capaz de esguichar um pouco de sangue para os vestidos quando alguma emoção extraordinariamente poderosa se faz sentir, quando uma lágrima escorre pelo rosto ou o arrepio que soltou ao visualizar uma obra de arte. As unhas pintadas destas pessoas, possuidoras de uma alma, ficam ainda mais vermelhas pela libertação de líquido quente indesejado. Os bastidores são bons para elas, que gostam de perfeição e de comandar um bom espectáculo de arte, música e quem sabe, até de moda.
O amor não bateu à porta. Quer dizer, bate todos os dias e sinto-o aqui dentro. Talvez seja por isso que mantenho o coração protegido na minha mala, numa caixa de vidro, para nenhum corvo decidir atacar-me solenemente, levando-me numa fatalidade desejada. Querido leitor, estou a sonhar demasiadamente alto. E talvez os bastidores sejam para mim. Não fazem ideia do brilho que podemos obter nas cabines. É pena os meus sonhos levaram-me mais longe, com eles está a ambição. Percebem?