18 julho, 2013

Purgatório


O amor equivale a um purgatório. Trata-se de um espaço de espera, não se contam as horas e os minutos por ser proibido a utilização dos relógios. Espera-se por alguma coisa que há-de vir, mesmo quando existe uma relação fixa em confiança, preocupação, amor, carinho e uma pitada de respeito. Amar é ser egoísta, não há outra forma de confiança. Existe uma preocupação com o outro ser, amado desde as profundezas. Tal preocupação exige na maioria das vezes, no subconsciente, uma reciprocidade. O ser humano não gasta o tempo com outro sem esperar receber nada em troca, nem nas palavras cheias de amor soltadas ao vento. Esse vento tem de passar pelo destinatário, a quem dirigimos essas palavras, a brisa vai tocar nas roupas a quem se dirige. As músicas escritas por muitos cantores são ouvidas pelo ser em que se inspiraram, a quilómetros de distância quem sabe, os textos redigidos por muitos escritores consagrados chegam a quem têm de chegar: à divina inspiração, seja ela de que tipo for, uma objeto, um animal, um lugar, uma pessoa. A preocupação colocada nessas palavras e nesses textos - existe sempre uma preocupação, nem que seja ela maldita, armadilhada - tem sempre o objetivo de chegar a quem foi escrita. O amor equivale ao purgatório, ao tempo de espera para recebermos uma mensagem de volta, um beijo, dedos do cabelo para o afastar da nossa cara, para recebermos palavras de preocupação. Morremos sem a resposta, precisa-se dela em minutos, em dias, em meses, em anos num caso mais extremo. Nasce uma comichão em todos os corações quando isso não acontece, cultivam-se histórias trágicas e alimentam-se finais desoladores por não existir uma resposta de volta. Desgraçados são os amores não correspondidos, que nunca vão receber a resposta. Nem uma chamada, nem uma mensagem ou uma carta. Quem sabe, um e-mail já que os tempos apontam para uma evolução. Mas não é nesse tempo de espera que se encontra uma parte da beleza? A perfeição não se encontra no tempo gasto, nas palavras soltas e colocadas numa carta ou em qualquer aparelho? Existe um ciberespaço, existe um espaço físico em que os conteúdos circulam. Falta avisar as gaivotas para continuarem a levar novos seres para todos os lugares. O amor é um purgatório cheio de ideias românticas, mesmo as gaivotas entraram em greve como quase todo o meu país se encontra: em uma greve económica, em que muitas pessoas morrem à fome, e uma greve de valores em que a esperança na cultura e nos valores morre a cada dia que passa. Não quero contar as horas, desejo entrar no purgatório. 

Oh, resta-me esperar por algo. Não vivo sem estar à espera de alguma coisa, guardo esse sentimento nos meus olhos, nos meus lábios, nos meus desejos.